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Rotina


   Vem cá, não vai embora agora. A gente ainda nem conversou sobre como o tempo demorou de passar hoje. A gente ainda não comentou sobre como o chefe tá mal humorado, como o café está amargo. Hoje a gente ainda não perguntou qual o botão para apertar no elevador, nem sobre como o tempo fechou. Você ainda não fez sua previsão de chuva, alagamentos e trânsito caótico, eu ainda não falei sobre o frio congelante da sala de reuniões, você ainda não respondeu que é melhor do que o nosso ar-condicionado quebrado.
   Sério, larga essa pasta bem aí na sua mesa, da onde você pretende tirá-la. A gente ainda não fez uma pausa para o lanche na cafeteria da esquina, eu ainda não tropecei em uma coisa qualquer e você ainda não me perguntou se está tudo bem. Quer dizer, perguntou, com seu jeito educado de quando chega ao escritório e cumprimenta todo mundo; mas estou falando do seu jeito preocupado, quando segura meu braço para que eu não caia de vez e me esborrache de cara no chão.
   Por favor, fecha essa porta, volta para sua mesa e diz que vai dar um tempo para esperar passar o horário do rush. Pega um copo de água, diz que até a água daqui é estranha, abre um joguinho no celular e esquece da sua própria existência, soltando só uns xingamentos de vez em quando. Faz tudo isso, fala mal da secretária, diz que a barriga do Aroldo tá muito grande, mas não vai embora agora.
   É só que eu já tenho tão pouco de ti, tomando essas doses homeopáticas de rotina, que cada vez que me deixas abre um vazio que não se compensa no dia seguinte. Por que você não conversa sobre a sua vida, por que não pergunta sobre a minha? O que me faz já gostar de você, assim nessa nossa convivência ainda tão superficial? Talvez seja a certeza - de origem misteriosa - de que, já gostando assim na superfície, imagina quando mergulhar?
   Fica mais um pouco, eu imploro mentalmente. Deixa só eu terminar essa página, espera uns minutinhos. E não vou dizer que a gente tem uma conexão mágica nem nada, porque você não completa minhas frases nem olha nos meus olhos. Eu não sei aonde você vai numa sexta-feira à noite, nem muito menos conheço o seu prato preferido. Então, não dá para dizer que foi telepatia, mas você coloca a mão na cabeça, fecha novamente a porta e vem andando na minha direção. "O celular", você esclarece, se esticando para tirar o carregador da tomada. E, de repente, como se tivesse mesmo levado um choque, se vira para mim. Eu sorrio, sem saber o que fazer, porque você não costuma me olhar assim. "O que vai fazer hoje à noite?", você pergunta, e meu trabalho rapidamente chega ao fim.

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