Estou entrando no avião, e percebo que aperto muito forte a alça da minha própria mochila. Nossa, por que estou tão nervosa? Não, definitivamente não é a viagem. Já fiz isso tantas outras vezes. Justamente, eu penso, esperando que todos que estão à minha frente andem rápido para que eu possa me sentar logo. Mas por que diabos quero me sentar logo, se vou passar infinitas horas sentada e morrendo de vontade de levantar? É só a sua natureza contraditória, Lucy, eu repito. Encontro minha poltrona, 24A. Janela, óbvio. É melhor para refletir. Se bem que, hum, talvez seja melhor não pensar muito. Trouxe um livro comigo, e o tiro da mochila antes de colocá-la embaixo do assento da poltrona da frente.
Já sei porque estou nervosa. Essa viagem vai durar mais que as outras, vai me levar para um lugar completamente desconhecido. E não vai haver ninguém para me buscar no aeroporto. Acho que essa é a pior parte, ou talvez seja a melhor delas. Portas fechadas, desliguem os celulares. Eu vou aprender a me virar sozinha. Vou me virar muito bem, sabe? Instruções de emergência, já conheço todas, e desculpem ignorar a parte do "preste atenção mesmo se for passageiro frequente". Acho que não ando prestando muita atenção nem na minha própria vida, quanto mais...
Tenho uma conexão em BH, não quis te falar isso. E, bem, mesmo que quisesse, eu meio que me proibi de te falar qualquer coisa mais. Quanto tempo tem que você sumiu? Uns dois meses, talvez. Quanto tempo tem que você ficou distante? Acho que uns três, isso eu não sei dizer. Talvez sejam três meses desde que eu percebi, mas só você mesmo poderia responder. Se você soubesse, ou se você notasse coisas tão sutis. Talvez você nem lembre que um dia te falei desse intercâmbio. Era só um sonho mesmo, ou pelo menos não seria tão rápido... Só que quando você sumiu, hum, eu tinha que focar em alguma coisa, sabe?
E então as horas que passava conversando qualquer coisa com você - qualquer coisa porque o que importava não era o assunto, mas apenas estarmos conversando - no celular, viraram horas que me dediquei ao estudo. E o tempo que eu passava conversando com cada amiga minha sobre cada coisa que você fazia e me deixava confusa, e ouvindo mil e uma versões da mesma interpretação que dizia "acho que ele gosta de você, mas já não está tão a fim", bem, eu comecei a pesquisar sobre as minhas oportunidades. E comecei a trabalhar no meu projeto. E, acredite, não importava muito o resultado final, porque o que eu queria era exatamente aquilo: ocupação. Coisas para pensar, para me envolver. Coisas que eu controlasse, que não sumiriam de repente, que não teriam instabilidades emocionais além das minhas.
E aí, num belo dia de sol, um daqueles que você adorava e que morria de inveja quando eu mandava fotos, eu recebi uma mensagem. Uma vibração longa, não duas curtas. Não eram meus amigos comentando nos grupos. Mais nenhuma vibração longa. Não era minha mãe me ligando. Repassei mentalmente todas as mensagens que havia mandado no último dia. Não eram muitas. Nada que alguém ainda fosse responder. Não era nenhuma das meninas falando comigo no privado, porque elas mandariam "Lucy" e depois alguma outra mensagem dizendo o que queriam. Eu não podia acreditar. Depois de tanto tempo sem dar sinal de vida, você me mandava o seu típico "Oi". Mantive o celular no bolso, querendo sentir aquela alegria por mais um tempinho. E, claro, não podia parecer tão desesperada por você, não é? Só que eu não demorei horas para olhar, e tudo bem, você sabia que eu estava sempre com o celular mesmo.
Não era você. Nunca mais foi você. Era só o meu orientador. Mas, em se tratando do meu orientador, ele não ia falar só sobre a matéria difícil do curso dele, ou sobre a viagem que eu fiz há dois anos, ou sobre as comidas que parecem presentes dos deuses. Não que essas coisas fossem "só", me desculpe. Elas só não eram o tipo de conversa do meu orientador. Ou até talvez fossem, quando ele estivesse conversando com a moça que saía às vezes, mas não comigo. O fato é que eu nunca senti pelo meu orientador nada que sentia por você, e isso é meio óbvio. Mas aquela mensagem dele me tirou do chão, mais até do que quando você me chamou para sair a primeira vez, ou quando disse que eu era linda, ou que adorava me ver. Sabe o que ele dizia? "Parabéns, você passou! Arrume suas malas, a viagem é em três semanas".
E agora aqui estou eu, o avião pronto para decolar, escrevendo sobre minhas aventuras em um caderninho vermelho como se fosse uma adolescente. Estou indo para um lugar desconhecido, vou passar dois anos, conhecer gente nova e receber um duplo diploma. Muito bem, pareço a mais bem resolvida das moças. Não saí com ninguém depois de você. Tá tudo certo, ainda posso dizer que foi falta de tempo porque precisava me concentrar no projeto. Não te contei da minha conexão porque não queria que você aproveitasse essa coincidência do destino para decidir, agora que essa é a única opção, me dar um último adeus. Você não fez isso quando deveria, e olha, parece que isso me fez um bem enorme. Então, queria te agradecer. Pelas boas memórias, mas principalmente pelo vazio que deixou. A saudade vai morrer com o tempo, mas esse vazio, que se transformou em gás para me trazer até aqui, ah, esse ainda vai me levar longe.
Acho que é isso. Só queria, pela última vez, te contar como foi o meu dia. Quando chegar no aeroporto dou um jeito de te enviar, assim, à moda antiga, que tem mais emoção. Beijo, boa noite, dorme bem.
Lucy
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