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Ampulheta

Esse barulho ritmado que me aperta o coração. Essa espera que me prende a respiração. Essa ansiedade que me trava os dedos. Tic tac. Essa falta que me cerra os dentes. Esse silêncio que me arranca os cabelos, essa angústia que me rói as unhas, essa loucura que me rasga as roupas. Tic tac. Essa tristeza que me dói inteira, essa inquietação que me perturba a mente, essa incerteza que me engole aos poucos. Tic tac. Esse fim que nunca deixa de ser meio, essa emoção que nunca grita, essa tensão calada e mordida. Tic tac. Esse transtorno problemático, essa obsessão incontrolável, essa compulsão alucinógena. Tic tac. Essa agonia de viver de olhos vendados, sem saber ao certo quando, onde ou por quê. Tic tac. O relógio não para de rodar. Tic tac. Convulsões involuntárias, gritarias desmedidas, olhos vidrados. Tic tac. Mas a ampulheta. Tic tac. Vai parar de funcionar.

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