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Mostrando postagens de maio, 2015

Quando você me deixou

   Ops, não houve isso. Com as palavras de Caio Fernando de Abreu ecoando, com o corredor que virou transatlântico, com os lençóis que terão seu cheiro, com toda a história da bolha de sabão, do tempo que não passava e do suor que escorria, eu venho aqui lhe dizer: Quando você me deixar.    Pois bem, quando você me deixar, que o faça de vez. Diga bem claro que é o fim, mostre a cara a tapa e explique a razão. Não ouse esperar que eu me arraste no chão, porque isso não acontecerá. Bata a porta atrás de si, saia rápido e demore um ano para aparecer novamente. Mas cuidado: antes de você me deixar, preste atenção. Recolha as suas coisas espalhadas, leve a sua escova de dentes, bote o lençol para lavar. Reviste a casa toda, tire as fotos dos porta-retratos, enfie as cartas no fundo do maleiro. Se puder, avise ao porteiro. Ele não precisa se preocupar quando ouvir um jarro quebrar.    Pois então. Quando você me deixar, o faça por um bom motivo. E como bom motivo, não preciso de uma expli

Querida pipoqueira

   Tudo bem, eu sei que você não é uma simples pipoqueira, mas vamos manter a história oficial para os íntimos. Eu também sei que esse texto não é para você, mas para mim. Isso mesmo. Escrevi um texto para mim, começando com um vocativo que chama você, "pipoqueira", mais de um ano atrás, para retornar e nos trazer algumas risadas.     Por que quem, por favor, ia falar de uma pipoqueira ou uma televisão? Ok, você até pode falar disso com a pessoa que vai comer a pipoca ou assistir à televisão, mas não, isso não é assunto. Ou talvez, bem, isso seja, sim. Eu posso falar da mariposa que insistentemente voa até o lustre, do livro que revirou a minha cabeça, do aniversário da minha amiga, da comida daquele restaurante.    Eu posso falar de qualquer coisa, contanto que continue falando. E não, não pense que eu sou estranha. Admito que um pouco aleatória, talvez um tanto quanto diferente. Mas, contanto que meus olhos ainda brilhem, que minhas mãos ainda gesticulem rápido, que mi

Divina Metamorfose

   Já fui passado, ainda não sou presente, mas quem sabe se não serei futuro? Já fui loira, morena, e agora me encontro num tom intermediário e - como quase tudo - indefinido. Já fui a fofa, a educada, a carinhosa, mas também já briguei, já bati boca, já não fiz aquele dever. Passei do karatê para o ballet, da natação para a ginástica. A mesma menina que amava desfilar era aquela que tinha vergonha de dizer "oi". E então surgiu o teatro, a bruxa Úrsula, a Wendy, a Cinderela, a Maribel. E cada uma daquelas personagens deixou um pouco de si no casulo que se formava. Surgiram os incontáveis e maravilhosos livros, surgiram os amores, surgiram as paixões cinematográficas.     E, junto com os suspiros que se dirigiam ao pôster colado no teto antes de dormir, surgiram as primeiras asas. Asas ainda inexperientes, pequenas, meio tortas. Nada que o tempo não fosse capaz de consertar, nada que as experiências não fossem mudar. Elas foram se colorindo, ganhando brilho, força e veloc

Meu querido amor nenhum

     Ouvi dizer que amor vivo é texto morto. Na hora, concordei. Porque, realmente, quem, em sã consciência, vai deixar de aproveitar toda a beleza de experimentar as sensações do amor para ficar sentado sozinho, apenas escrevendo? Acontece que, primeiro, ninguém apaixonado está com consciência sã nenhuma, e que escrever não é bem uma escolha, mas uma necessidade.     Pois bem, agora discordo. Texto morto vem de amor nenhum. Porque se o amor moribundo nos dá inspiração para textos dramáticos, o amor saudável nos dá inspiração para textos felizes, e o amor platônico nos dá inspiração para textos sonhadores, então amor nenhum só dá vontade de dormir. Ficar sentado olhando o nada, esperando o relógio tic-taquear? Não, não. Sinto muito. Essa não é a minha ideia de amor nenhum.    A minha ideia, pra falar a verdade, inclui boas doses de risada, pitadas de romances quase inexistentes de tão descompromissados, saltos altos, batons fortes, fotos bonitas. A minha ideia de amor nenhum

Compromisso?

   Malu e Danilo se conheceram em um bar. Ela era irmã da amiga da ex-namorada de um colega dele, mas isso só seria descoberto ao fim da noite, quando os dois já estivessem deitados nas próprias camas, os olhos quase fechados de sono, mas ainda atentos às informações que liam nos celulares, vasculhando tudo que o Facebook pudesse dizer sobre o outro.    No dia seguinte, a imagem de Malu apareceu por diversas vezes na cabeça de Danilo e, por mais que ele não admitisse, em todas as vezes, sorriu. Malu não colocou no grupo de todas suas amigas, mas não podia deixar de contar, animadíssima, pelo menos para Loli, sobre o menino interessante que havia conhecido na véspera. Não, não era muito lindo, nem muito alto, nem muito forte, sei lá, mas tinha algo de interessante.    Danilo esperou até a quarta-feira para mandar uma mensagem para Malu, que propositalmente esperou, depois de seus pulinhos de alegria, alguns bons minutos para responder. E, obviamente, mandou uma mensagem para Lo

Bicicleta ou casamento?

    Eu sou indecisão. Sinto muito se não foi assim que você planejou, mas eu simplesmente não planejei. Tudo bem, até que planejei, mas aí achei que o primeiro plano estava ruim, parti para o segundo, e devo ter chegado até o Plano Z, mas, bem, não deu muito certo. Então digamos que não foi planejado e pronto.    Eu tive que pedir opinião a trocentas amigas para me ajudarem a escolher entre o meu vestido preto, soltinho e costas nuas, ou aquele branco tubinho, quando você me convidou para o primeiro jantar com a sua família. E lembra o que eu acabei usando? Isso mesmo, aquela minha saia longa azul com uma blusa bege.    Eu não sabia se aceitava o sorvete de chocolate ou o picolé de amendoim naquele nosso primeiro encontro, e acabei tomando os dois. Eu não sabia se devia te dar a mão ou segurar o catavento que você comprou para mim, e então você mesmo puxou minha mão, com catavento, com suor frio de ansiedade e com uma gota do picolé que estava escorrendo porque eu não tinha

Acordei alegrinha

   "Nossa, tive mais um daqueles meus sonhos loucos", falo, deliciando-me com a minha barrinha de chocolate matinal. As meninas viram a cabeça repentinamente, todas já cientes de que algo no mínimo surpreendente está por vir. E eu conto sobre quem apareceu no meu sonho (não, ele nunca tinha aparecido antes, juro; e não, eu nem achava ele essa coca-cola toda até conhecê-lo melhor; mas sim, ele é incrível) e sobre como ele me chamou para dançar numa festa em que as pessoas nem dançavam, e sobre como ficamos dançando juntinhos e bem lentamente uma música que do nada mudou para romântica, sobre como recebi flores e um cartão preto com letras douradas. Não deixo de contar que, como não podia faltar uma trama digna de novela no tal sonho, eu sabia que o cartão não era dele, e que ele estava se apropriando de uma outra história minha, mas quer saber? Eu me sentia tão bem...    E naquele dia acordei alegrinha, ainda sem nem me lembrar direito do sonho. Ele foi voltando à minha cab

Sete vidas

   Apaixone-se por uma ideia. Morra de amor. Apaixone-se por alguém. Morra de desejo, morra de felicidade, morra de saudade, morra de ciúmes, morra de tristeza, morra de desgosto. Tenha tantas vidas quanto um gato. Gaste todas elas por um gato. Apaixone-se, morra afogada num mar de confusões, ilusões, desilusões. Não se apaixone, morra de tédio. Apaixone-se pelo príncipe dos seus sonhos. E morra sonhando. Morra dessa doença, ou da sua ausência. Essa doença tão falada, comentada, esperada, sonhada. Essa doença tão sofrida, paixonite aguda, que afeta o coração, o corpo, a alma e a razão. Essa doença chamada paixão, ou simplesmente amor.