Ela estava voltando de uma viagem à Tailândia. Muitas horas de voo, uma
mala pesada, a roupa amassada. E um rosto tão contente que ninguém imaginaria
que ela estivesse tão cansada. Planejou essa viagem um pouco em cima da hora:
tinha só o tempo necessário para conseguir organizar a parte burocrática e,
então, entrar num avião e decolar rumo ao desconhecido. Foi sozinha. Tinha
aprendido a gostar tanto da própria companhia, que já não se importava em
passar horas calada. Era bom para refletir, para sentir, para se conectar.
Assim que chegasse em casa, já ia começar a juntar dinheiro para seu próximo
destino.
Combinou com o pai de buscá-la no aeroporto. Enquanto ele não chegava,
ela comprou algo para comer, sentou e tentou começar a responder as mensagens
no celular. A internet estava lenta, e nada de carregar. Ela levantou o rosto,
como se pedisse um sinal divino do céu. E, melhor que isso, ali, na luz que
emanava do exterior, pelas portas de entrada, ela viu um rosto conhecido – e perdido.
Meu Deus, tinha tanto tempo que não via, que até duvidou do que estaria
enxergando.
Ele não viu logo. Não reparou que ela acenou animada. Estava concentrado
em se despedir de quem o havia trazido, pegar a pequena mala, a mochila e a
capa do notebook. Quando fez tudo isso, seguiu na direção do balcão de check-in
que já tanto conhecia. Ela pensou em deixar passar. Estava cansada, sem dormir
direito, e provavelmente ostentava olheiras e um cabelo extremamente bagunçado.
Ela pensou em não fazer nada, mas lembrou de si mesma, oito anos antes. Lembrou
o quanto aquela versão mais nova ansiou por aquele encontro. Lembrou o quanto
aquela versão de si mesma ficaria decepcionada por saber que, depois de oito
anos, ela teria uma chance de falar, abraçar, saber das coisas, mas deixou
passar. E ela não quis decepcionar aquela menina esperançosa.
Ela levantou. Pegou a mala num rompante e, juntando as energias que lhe
sobraram da viagem, começou a andar rápido. “Ei!”, chamou. Ele não ouviu.
Talvez ela estivesse meio que sem coragem para chamar por seu nome. Talvez. Mas
aí ela chamou pelo apelido. Assim, só uma sílaba. Era rápido como arrancar um
band-aid, e não tinha como voltar atrás. Ele se virou, procurou alguém
conhecido e, quando pousou os olhos nela, abriu um sorriso. Os dois se olharam
por um tempo, meio perdidos. Ele, sem perceber, deixou que algumas pessoas
passassem em sua frente em direção ao balcão do check-in. Depois, desistiu da
fila e foi, finalmente, falar com ela.
“Oi”, os dois disseram, em coro. Não sabiam direito como agir. Ela se
lançou para um abraço desajeitado, mas que não deixava de ser reconfortante.
Disse o “que bom te ver”, que tinha ensaiado desde adolescente para o caso de,
quem sabe, ele aparecer. Ele parecia meio incrédulo de encontrá-la ali. Mas
também parecia feliz. “Como você está?”, ele perguntou, animado. Ela não sabia
por onde começar. Havia tanta coisa para contar... Acabou dizendo isso, ao que
ele sorriu, lembrando o jeito típico dela: diferente de tudo, e difícil de
esquecer.
Ele olhou o relógio. Ainda faltavam duas horas para embarcar. Sugeriu que
sentassem em algum lugar para conversar. E que, se ela não sabia por onde
começar, que começasse do começo. Ela gostava de falar, e falou da faculdade,
da formatura, do concurso, do primeiro carro. Falou das viagens, das aventuras,
das culturas. Falou dos sonhos, dos projetos, dos romances acabados e das
histórias que renderam. Ele olhava e, simplesmente, sorria. Ela, tão diferente,
tão cheia de novas ideias e contos e crônicas e confusões. Ela, tão igual,
falando com as mãos e os olhos, sorrindo enquanto contava e dedicando toda sua
atenção aos detalhes de cada situação.
Ele também havia mudado: mais compenetrado, talvez mais responsável,
mais arrumadinho. Ainda assim, aqueles oito anos não transformaram o jeito de
falar: a conversa continuava a encaixar, os dentes continuavam a compor um
sorriso perfeito, e as piadinhas não tinham, de forma alguma, desaparecido. Ele
contou do emprego, da mudança para outra cidade, da tentativa fracassada de
morar junto com a antiga namorada.
Enquanto cada um contava de suas vidas, aquela sensação de que estavam
sendo estranhos na vida do outro foi sumindo. Era como se, com aquelas palavras
– e com aqueles sorrisos – sempre tivessem estado ali. Era como se aqueles oito
anos não tivessem passado. Era como se eles nunca tivessem acabado.
Ele se lembrou do quanto gostava de conversar com ela. Ela lembrou que,
com ele, as conversas eram sempre as melhores. Ele se lembrou do quanto era bom
vê-la gargalhar. Ela se lembrou do quanto as brincadeiras dele eram engraçadas.
No meio de tantas coisas e de vidas tão diferentes, não dava para eles voltarem
a ser um casal. Mas eles eram, sem dúvida, um belo par.
O pai dela avisou que estava chegando. Ela não sabia como aproveitar
aqueles últimos minutos da conversa. Pediu desculpas à sua eu do passado por já
estarem acabando. Ela sorriu, deu dois beijinhos no rosto e disse que tinha
adorado reencontrá-lo, e que tinha sido muito bom conversar. Ele sorriu de
volta, e disse que “deviam fazer isso mais vezes”. Talvez ela não tenha ouvido
direito, então, ele tirou um cartão e a entregou. “Tem meu celular”. Ela não
sabia se ia mesmo conversar por lá. “Se você não falar, espero pelo menos te
encontrar nos aeroportos da vida”.
Ela lhe deu mais um abraço. Um daqueles abraços de aeroporto. Não sabia
se era reencontro ou despedida. Ela só sabia que, de repente, era, novamente,
aquela garotinha esperançosa de oito anos atrás.
Esse texto foi baseado na música
Encontros e Despedidas, que você pode ouvir clicando no vídeo abaixo:
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