Pular para o conteúdo principal

Eu bebi inseticida


   Não tenho medo de aranhas, baratas ou pernilongos. Sempre preferi a técnica infalível da sandália, mas, nesse caso, o método precisou ser aprimorado. Pois bem. Eu bebi inseticida. Acho que fiquei meio mal. Pensaram até em me levar para o hospital, mas agora tá tudo meio normal.
   Começaram a perceber pelo meu olhar: parece que parou um pouco de viajar, talvez de brilhar. Dizem que é um dos sintomas principais da intoxicação. Depois, perceberam na minha forma de gesticular: tinha diminuído, eu estava mais quieta, menos descontrolada. É um efeito motor notável.
   Sabe, eu não contei a ninguém. Mas mesmo assim, parece que não foi difícil de perceber. Disseram que até a minha forma de falar mudou: devagar, mais concentrada, focada, menos empolgada. Os efeitos foram avassaladores: diminuição crítica do nível de ânimo, queda da ansiedade, perda de sensibilidade.
   Eu bebi inseticida. Os efeitos foram descaracterizadores de mim. Talvez haja alguma perturbação mental. Acredito que seja o contrário, porque perturbada, sinceramente, não estou. Talvez até devesse, mas é que, como já contei, eu bebi inseticida, e consegui: matei cada borboleta que havia nesse estômago aqui.


Esse texto foi baseado na história da conta @6wordsmith, que você pode visitar no Instagram.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor-passarinho

O amor precisa ser livre. Se não for, simplesmente não será amor. O amor precisa ser livre como passarinho. Precisa poder voar. Precisa ter a liberdade de construir outro ninho. O amor precisa ficar porque quer estar. Não adianta muito ficar apenas porque as asas cortadas já não conseguem voar.  O amor precisa ser livre - no início, no meio e no final - para que continue sendo amor, não posse. Precisa ser livre para poder se transformar, sem se prender em amarras. Só o amor livre consegue se transmutar em outras formas de gostar. O amor precisa ser livre, ainda que seja para voarmos para longe dele. É preciso perceber a hora de pousar, mas também a de ir embora. O amor livre é aquele que se alegra com os grandes voos do outro, mesmo que os ventos levem para outros caminhos. Gosto da metáfora do amor-passarinho: dos voos, dos ninhos, da beleza de poder ir, da sinceridade do querer ficar, da independência de conseguir planar sozinho.  Meu amor-passarinho vive d

Toda noite de insônia eu penso em te escrever

   Eu amava ouvir sua voz. E também amava ler suas mensagens e imaginar que estava ouvindo sua voz. Adorava o jeito que só você me chamava, as brincadeiras que só você entendia, as conversas que só a gente tinha. Eu escrevi tantos textos sobre você, e quase nenhum deles você chegou a ler. Tantas coisas eu pensei em te dizer, e você já não estava mais aqui para escutar.    Você sabe que eu costumo dormir fácil. Quando a aula está chata, quando o caminho é longo, quando ainda há dez minutos antes do próximo compromisso. Eu mal fecho os olhos e já estou dormindo. Mesmo assim, andei tendo umas noites de insônia, uns sonhos perturbados. Em quase todas elas, pensei em te escrever. Pensei em te contar da nova receita que eu aprendi, daquela minha amiga que terminou com o namorado babaca, da faculdade que anda uma loucura. Às vezes eu nem tenho nada para falar, mas ainda vem à cabeça aquele hábito antigo de pegar o celular, escrever nem que seja apenas “olá”.    Toda noite de insônia eu v

Nosso momento passou

   Já passou da hora de te dizer adeus. Já passou da hora de me virar, andar para longe sem olhar para trás. Já passou da hora de tirar suas fotos dos meus porta-retratos, de jogar as flores mortas fora, de tirar a água do jarro. Já passou da hora de guardar suas cartas, devolver o que você esqueceu em minha casa, quitar as contas dessa história.    Já deixei a hora passar algumas vezes, mas juro que agora é oficial! Coloquei no meu despertador e tudo. Preparei a sala, a mala e as lágrimas. Te espero com um jantar saboroso, um clima agradável, e te preparo para ouvir o que menos queria. Mas é que eu preciso. Nós precisamos, porque já não existe mais um nós vivendo sob isso tudo. Separei todas as suas coisas nessa mala, que assim você não precisa reviver os nossos momentos, nem os nossos ainda não-momentos, que não vão mais acontecer, só para recolher o que falta. Você não merece passar por esse sofrimento. Mas merece menos ainda ficar preso a algo que já deu tudo o que tinha de