Você já deve ter dito, pelo menos uma vez na vida, que não queria ser apenas um número. Se não disse, pensou. Ninguém quer ser insignificante. Ninguém quer perder sua personalidade para ser identificado por um conjunto de algarismos inventados centenas de anos atrás. Ainda que você não queira, você provavelmente é apenas mais um número. Durante, digamos, a sua vida toda.
Tudo começa quando você é o bebê do quarto/berço número tal. Todos aqueles médicos e enfermeiros já viram dezenas de bebês parecidos com você. Ou, a depender do tanto que te achavam com cara de joelho, eles já viram outras dezenas de bebês iguais a você. Talvez você seja o segundo filho da sua mãe. Então, tudo que ela fez com você, quando te amamentou, quando deu o primeiro banho, quando tirou a primeira foto... Desculpe dizer, ela já tinha feito tudo isso antes.
Quando você entrou na escolinha e começou a receber notas, você era mais um número. Não importa muito se você era o melhor ou pior aluno: você podia ser até chamado de "aluno nota 10". Ainda é um número. Aí você entrou num colégio grande, e passou a ser o número 23, numa sala de 40 alunos. Não era o seu nome que eles falavam na chamada, porque você era só mais um número. Você foi um número na classificação do SISU ou na lista do vestibular. Você decorou assuntos, fez contas, usou de inúmeras estratégias de estudo e finalmente entrou na Universidade. Agora você é o número do seu semestre e uma terminação aleatória. Ou pior: você é o número do seu CR ou score.
Você oficializou que era um número quando tirou a Carteira de Identidade. Eles acharam que era pouco. Você então se encheu de mais números: CPF, CNH, título de eleitor, inscrição no plano de saúde, conta de banco, cartão de crédito, endereço, telefone, códigos e mais códigos de segurança. Você virou um código de barras ambulante.
Você acha que o seu número de celular é pessoal. Esquece. Ele é só mais um número com uma foto, que não fala nada, mas também não tem coragem de sair daquele grupo que, primeiramente, você nem queria ter entrado. E você continua sendo um número, porque muita gente nem se dá ao trabalho de adicionar o seu nome. É que vocês nem tem contato, e ocuparia tanto espaço... Você é o número tal de pessoas que aquele alguém beijou numa festa. Ou você é o número de fotos que essa pessoa postou enquanto o breve relacionamento durou.
A gente é um número mesmo, não dá para fingir. Mas, ainda assim: se é para ser um número que se seja o melhor possível. Que se seja 100%. Que você seja o seu número da sorte. Que você seja nota 1000. Que você alcance o primeiro lugar. E que, se só rolar o segundo, você fique feliz também. Ou mesmo se for o terceiro. Ou quarto, ou décimo, ou último. Pensa no quanto ainda pode evoluir.
A gente é vários números. A quantidade de chocolate que comemos durante a TPM, a quantidade de matérias que pegamos, quantas horas de sono dormimos, o peso na balança, as páginas para ler antes da prova, o valor do carro novo ou da mensalidade, o desconto da promoção, a nota do trabalho, o dia que sai o salário. Só que a gente é um número único. Não existia outra pessoa número 23, da segunda turma da oitava série do seu colégio naquele ano. Não existe outra pessoa com seu CPF (eu espero, porque isso daria um trabalhão para resolver), assim como, mesmo se a sua mãe tiver uma dúzia de filhos, ela deve lembrar exatamente do dia em que você nasceu, quando completou um ano, quando entrou na escola, arrancou o primeiro dente ou decidiu sair de casa.
Você vai continuar sendo um número. A senha na fila do banco, o assento no voo, a matrícula no curso, a placa do carro, a estatística do público de um jogo de futebol. Ainda assim, tente não ser apenas um número para as outras pessoas. Você não precisa ser mais um cliente do banco que fica de cara amarrada, reclama da demora e não dá bom dia aos funcionários. Você não precisa compartilhar 10h sobre as nuvens a centímetros de distância de uma pessoa e não trocar nem um "oi". Você não precisa ser um contato esquecido no celular.
Você também é um número, porque há mais de 7 milhões de pessoas no mundo, e seria impossível conhecer e diferenciar todas elas sem as facilidades da sistematização. Então, você vai continuar sendo um número por toda sua vida, até que seja o número de uma página de um livro com certidões de óbito no cartório número tal. Pode parecer triste, mas não precisa ser. É só entender que quem troca o "só" pelo "também" é você.
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