Pular para o conteúdo principal

Para minha Eu do futuro


   Esse é um texto sem "você". Apesar de provavelmente você agora ser uma pessoa diferente do que costumava ser. Te imagino dentro de um avião, sentada ao lado da janela e abrindo, com o mesmo sorriso sonhador de hoje, um envelope mal colado que preparou num passado distante.
   Imagino que você continua escolhendo as suas roupas mais confortáveis para viajar, mesmo que haja alguém no portão de desembarque a esperar. Acho que vai estar com o cabelo ainda mais claro que hoje, pelo menos um pouco bagunçado, o rosto quase igual ao de hoje e, quem sabe, talvez não precise mais dos óculos? 
   Acredito que esteja curiosa para lembrar o que sua versão de dezoito anos escreveu. O que esperava de você? Quem pretendia ser? Aonde sonhava ir? Respire fundo, e relembre tudo que se passou. E agora, com cuidado, abra todas as perguntas que reservo para o futuro. Cuidado com as minhas expectativas, com meus sonhos, com a minha vida. 
   Sabe, você tem muita responsabilidade. Esteja atenta às minhas vontades. Não ria da minha curiosidade. Há detalhes que você terá a obrigação de lembrar, e trate de descrever falas, expressões e sentimentos. Será que você ainda ligará tanto para histórias e reações? Será que ainda criará sentimentos que não são seus, só para escrever textos que emocionem os outros? Será que ainda vai se emocionar tão fácil? 
   Eu do futuro, não me decepcione. Você ainda tem muitos lugares para ir, pessoas para conhecer, comidas para provar. É coisa demais para você simplesmente ignorar. Trate de lembrar suas melhores histórias engraçadas  (daquele tipo em que somos escolhidas a dedo para protagonizar), seus planos de sonhos altos e seus quase romances de se apaixonar. Tenho certeza de que nada disso vai te faltar.
   Você tem algumas perguntas para responder, algumas histórias para contar, e um conselho para receber: seja, sempre e acima de tudo, feliz. Siga o caminho que quiser, mas sempre com esse sorriso no rosto e brilho no olho. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor-passarinho

O amor precisa ser livre. Se não for, simplesmente não será amor. O amor precisa ser livre como passarinho. Precisa poder voar. Precisa ter a liberdade de construir outro ninho. O amor precisa ficar porque quer estar. Não adianta muito ficar apenas porque as asas cortadas já não conseguem voar.  O amor precisa ser livre - no início, no meio e no final - para que continue sendo amor, não posse. Precisa ser livre para poder se transformar, sem se prender em amarras. Só o amor livre consegue se transmutar em outras formas de gostar. O amor precisa ser livre, ainda que seja para voarmos para longe dele. É preciso perceber a hora de pousar, mas também a de ir embora. O amor livre é aquele que se alegra com os grandes voos do outro, mesmo que os ventos levem para outros caminhos. Gosto da metáfora do amor-passarinho: dos voos, dos ninhos, da beleza de poder ir, da sinceridade do querer ficar, da independência de conseguir planar sozinho.  Meu amor-passarinho vive d

Bicicleta ou casamento?

    Eu sou indecisão. Sinto muito se não foi assim que você planejou, mas eu simplesmente não planejei. Tudo bem, até que planejei, mas aí achei que o primeiro plano estava ruim, parti para o segundo, e devo ter chegado até o Plano Z, mas, bem, não deu muito certo. Então digamos que não foi planejado e pronto.    Eu tive que pedir opinião a trocentas amigas para me ajudarem a escolher entre o meu vestido preto, soltinho e costas nuas, ou aquele branco tubinho, quando você me convidou para o primeiro jantar com a sua família. E lembra o que eu acabei usando? Isso mesmo, aquela minha saia longa azul com uma blusa bege.    Eu não sabia se aceitava o sorvete de chocolate ou o picolé de amendoim naquele nosso primeiro encontro, e acabei tomando os dois. Eu não sabia se devia te dar a mão ou segurar o catavento que você comprou para mim, e então você mesmo puxou minha mão, com catavento, com suor frio de ansiedade e com uma gota do picolé que estava escorrendo porque eu não tinha

Eu voltarei a escrever

Soube hoje pela manhã que ontem foi dia do escritor. E precisava escrever e, principalmente, precisava vir aqui falar isso, depois desse jejum antiestratégico de alguns meses. Eu não sou uma escritora profissional – não vivo disso e nunca tive qualquer lucro com a escrita – mas emocional. Eu escrevo quando algo me desperta emoções, quando eu quero despertar emoções. E eu parei de escrever porque as emoções que eu podia catalisar – no meio de tanta dor e desespero, no auge da segunda onda da pandemia – não eram boas. Não quero ser um roteador de angústias e sentimentos ruins. A vida tem sido esquisita há um bom tempo: isolada do mundo, das pessoas queridas, dos grandes e bons momentos. Nada acontece aqui dentro. Lá fora, o mundo parece querer acabar. Me divido entre o tédio de não ter o que contar e o medo de assistir, de longe, o que pode acontecer. Parei de escrever. Mas escrever também tem sido a minha válvula de escape há anos. Eu escrevo sobre despedidas, partidas, dores, amores,