Era alguma noite quente de verão. Talvez quente
e chuvosa. Eu não sabia direito o que acontecia da janela para fora. Estava
suada e envergonhada. Enfiei minha cabeça no travesseiro e falei essas palavras
como quem tem medo da própria fala. “Não se apaixone por mim”. Inconsequente. Apressada.
Intempestiva. Tempestade. Verborrágica.
“Você também não”. Ele riu. Eu ri também, ainda
com a cabeça enfiada no travesseiro. O tipo de conversa que só se tem em um
momento muito à vontade. O tipo de pessoa que fica à vontade quando não deveria
e que morre de vergonha logo em seguida. Euzinha. Não conseguia encarar mais
nada que não fosse o escuro do meu rosto encostado na fronha. “Estou falando
sério”. Eu murmurei, como quem não tem coragem de falar o que já está saindo
pela sua boca. Como quem sabe que vai se arrepender depois. Por que tão
pensativa em quase tudo na vida, e do nada, às vezes, tão impulsiva?
Não se apaixone por mim. Não é a melhor frase
para um terceiro encontro. Talvez não seja a melhor frase para encontro nenhum.
Parece que saí de um livro romântico e dramático. E nada contra histórias assim,
só não estou no espírito. Não estou na minha melhor fase. São muitas dúvidas.
Muitos “se” e “talvez”. Muitas incertezas e fraquezas. Eu não tenho cabeça para
absorver mais uma questão.
Ele sorri. Parece entender. Parece sentir que
falo mesmo a verdade, sem medo de sumir. Ele – inacreditavelmente – não parece
que pretende evaporar depois da minha frase esquisita. Parece querer me ouvir.
E eu conto – com a liberdade de quem expõe sentimentos para desconhecidos na
internet – que a minha meta do ano é ter paz de espírito. Meses depois, num outono
castigado por uma pandemia, percebo que escolhi uma meta acessível para
qualquer ano, exceto este. Conto mais: já vivi meu grande amor da juventude.
Vou viver outros – espero – mas não agora. Não estou pronta. Não tenho cabeça. Conto
que pretendo ir embora. Talvez. Ainda não sei. Na verdade, sei. Só que mudo de
ideia quase toda semana.
Explico que não posso meter ninguém nesta confusão
que é a minha indecisão. Que não tenho condição de sentir mais uma saudade de
apertar o coração. Que distâncias me dão gatilho. E que por tudo isso – já aviso
antes – não posso e não vou me apegar. Ele sorri e me abraça. Eu não esperava
essa compreensão. Diz que eu tenho todas as características de alguém
apaixonante, mas que também não pode se apaixonar. Eu também não posso ser uma
questão.
Eu respiro de alívio. Solto a tensão. Estamos
na mesma página. Temos algum tipo de conexão. Não é a que se espera de livros
românticos ou dramáticos. Talvez um livro de ação? Às vezes o chamo de espião.
Brinco que as tantas coisas parecidas só podem ter sido descobertas escondidas.
É algo leve. É algo bom. Não é complicado, não me requer grandes decisões, não
me puxa para ficar. Eu vou embora. Não agora, não por isso. Eu já tinha de ir.
Eu já queria ir. Que bom que, enquanto estou por aqui, podemos aproveitar. Pelo
menos, quando a pandemia novamente deixar.
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