Essa noite não foi fácil. Nem a sua mensagem de "dorme bem" nem a minha incontrolável vontade de dormir foram capazes de me dar um sono tranquilo. A dor de cabeça do aparelho, os pensamentos perturbados e a proximidade da prova dominaram meu cérebro. Em algum momento dessa angústia, lembro que pensei "nossa, vai ser difícil". Tem algumas coisas difíceis acontecendo nas nossas vidas, é verdade: carregar o mercado até em casa andando, depois de subir não sei quantos degraus de escada; ficar doente longe de casa; controlar o próprio dinheiro; cozinhar e se alimentar direito; estudar para várias provas com assunto acumulado. Tudo isso é difícil, mas não se compara a como esse momento vai ser difícil.
Sabe, numa dessas brincadeiras de dizer qual a primeira palavra que vem à cabeça, uma vez me perguntaram sobre "paixão" e eu respondi "aeroporto". Não que eu seja apaixonada por aeroportos, mas acredito que eles sejam a expressão máxima da paixão, quando acontece bem aquela cena de novela, que a mocinha está prestes a embarcar, e o mocinho vem correndo, já quase sem esperanças, avista ela no portão do salão de embarque e dá um grito com todas suas forças. Ela olha, quase sem acreditar, dá um suspiro de alívio e deixa uma lágrima escorrer pelo canto do olho. Ignora o segurança que está com seus documentos em mãos, sai correndo e abraça seu par romântico com tanta força que parece que ficarão grudados para sempre. Eles trocam beijos apaixonados enquanto todo o resto fica fora de foco.
Eu cresci adorando novelas, e já vi essa cena se repetir tantas vezes que ela se incorporou até ao meu questionário para avaliar uma verdadeira paixão: se você participaria dessa cena de coração aberto e sem vergonha de ninguém, então, sim, você foi tomado por esse sentimento arrebatador. Aos vinte anos, e vivendo há mais de quatro meses sem uma televisão, vou ressignificar a relação aeroporto-paixão. Em menos de dois meses, eu volto para o Brasil, levando histórias, malas lotadas, expectativas, e uma saudade imensa. Eu volto diferente de como vim, e sem uma data para novamente sair. Você vai comigo até o aeroporto, mas você fica. A gente não vai poder fazer a cena de novela, porque eu sei que preciso ir, e você sabe que sua vida é aqui. A gente não vai poder fazer essa cena porque a gente sabia exatamente no que estava se metendo e não dá para, agora, reclamar.
Comentei isso com você hoje, sobre o quanto vai ser difícil, sobre como já é certo que vou chorar. Comentei e logo percebi o quanto o ser humano é doido: a gente reclama da dificuldade que é se despedir, mas se a pessoa some sem avisar, reclamamos que não pudemos nem ter uma despedida. A verdade é que a gente quer sempre mais, a gente quer poder ver e estar com quem a gente gosta sem uma data limite, sem um ponto final. Nenhum tipo de final é satisfatório.
Eu sei que vai ser difícil. Sei que vou ficar inchada e vermelha de chorar, que meu nariz vai entupir e minha voz vai embolar, que vou dar umas respiradas fundas para tentar me controlar. Eu sei que vai ser difícil te olhar pela última vez ao vivo sem saber quando e se vou te encontrar. Vai ser difícil te tocar pela última vez, sem certeza se mais alguma vez nossos dedos vão se entrelaçar. Vai ser um esforço enorme seguir em frente e te deixar lá. Eu tenho tentado me preparar para essa dor, e ao mesmo tempo tento nem pensar, só aproveitar. A gente não tem uma solução fácil, e o fato de não saber o que vai e se vai acontecer me angustia, mas ao mesmo tempo me acalma. Eu deixo um suspiro pro destino. Ele já acertou tanto em nos juntar, quem sabe não acerta de novo no que ainda virá?
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