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Mostrando postagens de março, 2017

Esse texto é real (e infeliz)

   A grande maioria dos meus textos é pura ficção: pessoas que eu não conheço, mas que provavelmente existem em algum lugar do mundo, histórias que eu não vivi, mas que provavelmente aconteceram com alguém. Isso, contudo, aconteceu comigo. Aconteceu hoje. Eu estava num estado de espírito ótimo, andando pela rua, tranquila e sorridente. Estava extremamente feliz, porque acabei de me inscrever para um intercâmbio, pensando sobre o tanto que a minha vida pode mudar nos próximos meses, o quanto eu vou viver e experimentar.    O problema é que ouvi algo nojento e asqueroso. E o grande problema é que isso é real, e não aconteceu só comigo: acontece com todo mundo, o tempo todo, em qualquer lugar. Eu estava na minha, quando um homem que tinha idade para ser meu avô passou por mim e, sem um pingo de vergonha ou constrangimento, soltou um repugnante "que tetas deliciosas". Isso mesmo. Que tetas deliciosas. Ele me desrespeitou, me assediou, me constrangeu, e ainda me chamou de vaca. A

Eu bebi inseticida

   Não tenho medo de aranhas, baratas ou pernilongos. Sempre preferi a técnica infalível da sandália, mas, nesse caso, o método precisou ser aprimorado. Pois bem. Eu bebi inseticida. Acho que fiquei meio mal. Pensaram até em me levar para o hospital, mas agora tá tudo meio normal.    Começaram a perceber pelo meu olhar: parece que parou um pouco de viajar, talvez de brilhar. Dizem que é um dos sintomas principais da intoxicação. Depois, perceberam na minha forma de gesticular: tinha diminuído, eu estava mais quieta, menos descontrolada. É um efeito motor notável.    Sabe, eu não contei a ninguém. Mas mesmo assim, parece que não foi difícil de perceber. Disseram que até a minha forma de falar mudou: devagar, mais concentrada, focada, menos empolgada. Os efeitos foram avassaladores: diminuição crítica do nível de ânimo, queda da ansiedade, perda de sensibilidade.    Eu bebi inseticida. Os efeitos foram descaracterizadores de mim. Talvez haja alguma perturbação mental. Acredito

Sobre gente que brilha

   Vinte anos. Apenas vinte anos. Um sorriso lindo, alto astral. E era fim de ano. Tudo prometia uma viagem sensacional. Estaria com pessoas que ela gostava, em um lugar lindo, numa época maravilhosa. Aquele espírito de renovação, pós-natal e esperançoso pelo ano que viria, enchia tudo de alegria. E até arrumar as malas - e decidir se levava o vestido azul ou o rosa, ou os dois, para ter mais opção - tinha um quê de satisfação.    Foi nesse clima de alegria que tudo mudou. Mais rápido do que o estourar de uma garrafa de champagne quando os relógios alcançam a meia noite no dia 31. Mais rápido do que um piscar de olhos. Foi assim, se preparando para sair. Ela só ia colocar a mala no carro. E a vida mudou bastante. Uma outra moça, alcoolizada, bateu o carro no carro dela. E ela estava entre os dois. Vinte anos, modelo, todo um futuro pela frente. Fim de ano, época de festas, e ela estava no hospital. Com a perna amputada. Vinte anos. Modelo? Futuro?    Quatro dias depois do acid

Ele era incógnita

   Era uma festa grande. Muito grande. A maior do planeta. E ela estava linda. Encantadora. E ela sabia disso. E também, mesmo que não soubesse, naquele dia todo mundo comentou. Ela estava, como gostaria de dizer, "bombando". Era só sorrisos, os olhos brilhando mais do que a própria fantasia.     Ela estava bem: as coisas da vida corriam certo, a família com saúde, sem tantas emoções. Aí apareceu um carinha. Sabe como é, coisa de carnaval: bonito, parecia legal, a voz sensacional. Ela diria que foi bem legal. E continuou seu carnaval. Qual não seria sua surpresa ao ver que, depois, ele estava falando com ela? Era coisa de carnaval, ela repetia. Engraçado, ela sempre respondia.    Eles começaram a conversar mais. E ele era fofo, ela até estranhou. A amiga avisou: cuidado para não se apegar. Mas não, ela nem precisava ter cuidado. Estava numa época tão boa e tranquila, tão leve, tão bem consigo... Ela estava se divertindo, só isso. Era uma coisa de carnaval, mesmo depo