Precisei abrir o computador antigo hoje. Sem perceber, me deparei olhando a pasta de fotos que criei em setembro de 2017. Eu tinha pouco tempo em Portugal. Tinha conhecido poucos lugares, poucas pessoas. Eu via beleza em tudo.
Algumas fotos não têm um alvo específico ou um motivo especial. Às vezes, eu simplesmente achava um prédio bonito - e eram tantos deles! - que parava onde estivesse e tirava a foto. Mais tarde, mandava todas. Era a minha forma de compartilhar a beleza com as pessoas que eu amava.
Estou sorrindo em todas as fotos que apareço. Mas na maioria, eu nem apareço. Não queria tanto me registrar. Queria guardar o que via, os olhares, o que sentia naqueles dias. Foi uma sensação de liberdade que eu nunca tinha experimentado. Eu não tinha muitos planos: andava por onde o coração parecia querer me levar. Entrava nos becos, sem medo, olhava as casas, tentava absorver suas cores. Meus olhos brilhavam. Eu me permitia experimentar as coisas, de uma forma que não conhecia.
Ali, eu não era ninguém. E, sendo ninguém, podia ser quem eu quisesse. Ninguém me conhecia. Ninguém me julgaria.
No primeiro dia, depois de um voo de oito horas, cheguei ao aeroporto de Lisboa parecendo a personagem desastrada das comédias românticas: eu, duas malas, uma mochila e um notebook, um wifi que não queria funcionar, o uber que não aceitava dinheiro em espécie, eu rodando o terminal sem encontrar a saída certa e, quando finalmente achei, caindo da escada rolante, com malas, com mochilas, com um micão bem típico pra dizer que aquele era o meu momento e que o filme só estava começando.
Paguei uma mini fortuna de táxi, carreguei as malas pesadas até o andar do hostel, guardei uma no depósito para descobrir que ficaria alguns dias sem pente, tomei banho e saí para descobrir o país que me esperava - e que, por tanto tempo, eu esperei para conhecer. Pus um pacote de treloso na bolsa, comprei uma garrafa de água mineral. Não precisava de mais nada. Andei até anoitecer. Descobri que anoitecia às 22h. Meus pés quase não aguentavam mais. Minha alma estava renovada.
No segundo dia, peguei meu vestidinho listrado e a única sandália que tinha ficado naquela mala. Saí com os cabelos molhados, despenteados, e conheci a Basílica da Estrela. Lembro o quanto fiquei encantada - ainda não tinha ideia das tantas outras igrejas lindas eu veria, ainda não sabia o tanto que a fé era capaz de construir.
Na frente da igreja, havia um jardim. Eu não tinha horário, não tinha companhia, e fazia simplesmente o que bem entendia. Entrei, vi a pedra mais alta e decidi subir. Não importava que estivesse de vestido, não importava que estivesse de sandália - a mesma que horas depois me fez escorregar na calçada do Chiado e virar a piada mais engraçada para um menino de uns 10 anos que só fazia rir e apontar para mim, de cima da sacada -, porque naquele momento eu era pura aventura.
Ainda andei muito naquele dia. Em algum momento, sem querer, fui parar num miradouro. Demorei alguns segundo para perceber que era o mesmo miradouro que no dia anterior, por tanto tempo, eu procurei. Entrava e saía das ruas, subia e descia as ladeiras, mas não conseguia chegar lá. No momento em que parei de procurar, como mágica, estava lá.
No dia seguinte, lembro de visitar as ruínas do Convento do Carmo. Passei um tempão só admirando a beleza daquele lugar. Parecia mais que mágico. Ali, eu sentia como se houvesse uma conexão direta com o céu. Era algo quase sobrenatural. Marquei, por um grupo de intercambistas, de passear no Elétrico 28 com uma menina paulista. Enquanto não dava a hora, comprei um sanduíche e fui almoçar na beira do Tejo, na Praça do Comércio.
Enquanto eu caminhava pela Rua Augusta, todos os meus passos eram acompanhados, do outro lado, pelo ritmo de um cara que parecia ter a minha idade. Ele sentou na escadinha do rio na mesma hora que eu. Na hora que levantou, também. E assim fomos andando, parando em cada sémaforo, no mesmo ritmo, mas sem falar. Até que ele perguntou se eu também era erasmus e começamos a conversar. Ele também era intercambista, também tinha chegado há pouco tempo, vinha de uma cidade pequena na Itália e não sabia uma palavra de português. Convidei para seguir o passeio de bonde e, como já era de se esperar, nos perdemos por Lisboa até encontrar o lugar.
E foi assim que passei a minha última tarde lá - andando de elétrico com dois (até então) desconhecidos, saltando em bairros charmosos e ruazinhas lindas, conversando sobre a vida, as expectativas e as maravilhas de se poder experimentar. Ali, as coisas pareciam acontecer: mais depressa, mais fáceis, mais leves. Ali, parecia que eu me deixava viver - numa frequência que não estava acostumada.
Percebi que agora vivo perdida. Mas que isso não precisa ser necessariamente ruim. Em Lisboa, quantas vezes não me perdi? Pude enxergar beleza nisso porque a falta de caminho definido era justamente a possibilidade de ir para qualquer um deles. Ir, vir, voltar, dar a volta, subir na pedra mais alta, escorregar na pedra da calçada e continuar a andar. A incerteza era liberdade. O desconhecido era novidade.
Vivi dias incríveis em Lisboa. Passei quase dois anos com saudade. Mas só agora consegui entender a metáfora que esses momentos quiseram me ensinar.
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