Letícia tinha medo de para sempres. No dia em que perdeu seu batom favorito, mas que não sabia o nome da cor, ficou com medo de nunca mais poder comprar um igual. Quando ia fazer vestibular e teve que escolher uma profissão, ficou com medo de ficar até o fim da vida presa a um só ofício. No jantar em que o namorado lhe disse que, depois dos cinco anos juntos, tinha certeza que ela era a mulher da sua vida e que era com ela que um dia iria se casar, Letícia sentiu calafrios.
Quem não gostaria de ouvir uma declaração dessas? Não é que ela não fosse apaixonada por ele: seu coração ainda acelerava cada vez que o via, ela vivia se declarando, e o amor só crescia. Mas ela tinha certeza do agora. Sabia que, naquele momento, suas vidas andavam muito bem juntas. Imaginava que, daqui a um mês, ainda estivessem grudados. Queria que, daqui a um ano, estivessem planejando uma viagem para o feriado seguinte. O que ela não queria era ter que ter a certeza, naquele momento, de que, daqui a cinquenta anos, ainda o amaria.
Ela se endireitou na cadeira e, para disfarçar o impulso de puxar a mão, forçou um sorriso torto. Falou, com a voz trêmula, mas cheia de verdade, "eu te amo". Mas era amor no tempo presente, e não trazia pistas sobre o futuro. Letícia ficou com aquilo martelando em sua cabeça por alguns dias. Por que não foi capaz de responder à altura? Será que cinco anos não eram tempo suficiente para ter certeza sobre seus sentimentos pelo rapaz? Se não tinha certeza, será que tinha desperdiçado cinco anos da sua vida? O que ela tinha deixado de fazer durante tanto tempo?
No fim de semana seguinte, Letícia, atormentada pela imensidão de perguntas e pelo medo da certeza, enviou para Thales um "precisamos conversar". Ele, seguro da estabilidade de seu relacionamento, nem se preocupou. Imaginou que ela quisesse discutir para onde ir nas férias. Já tinha, inclusive, pesquisado as diárias das pousadas.
Quando chegou, porém, se surpreendeu. Letícia não lhe recebeu com um beijo de boas-vindas e um sorriso largo. Chamou ele para seu quarto, fechou a porta e pediu que se sentasse. Ela estava claramente confusa. O que falava não tinha muita ordem, não concluía os pensamentos, não conseguia olhar nos seus olhos. Thales não entendia aonde aquilo tudo ia levar, até que ela disse "eu não tenho certeza sobre nada, não tenho certeza sobre nós". Ela decidiu terminar.
Thales foi embora sem acreditar no que havia acontecido, e Letícia ficou em casa sem saber o que aconteceria dali para frente. Não lembrava mais como era sair para paquerar, e não sabia se queria fazer isso. Não conseguia compreender direito o motivo pelo qual havia terminado. Estava com medo da rigidez do futuro, mas agora sentia medo do mundo lá fora sem a mão do namorado para lhe apoiar.
Os dias que se passaram foram difíceis, mas, acima de tudo, estranhos. Ninguém era capaz de supor que Letícia, desde sempre namorada de Thales, era a mais nova solteira da faculdade. Ninguém era capaz de esconder a expressão surpresa quando ela mencionava isso, nem ela era capaz de explicar o motivo quando alguém perguntava "mas por quê?". Letícia estava reaprendendo a viver sem ter a quem contar cada uma de suas novidades, sem ter alguém para maratonar séries ou pedir delivery de comida às sextas e cozinhar aos domingos.
Depois de mais de um mês, ela percebeu que não havia tirado as fotos dos porta-retratos, nem guardado os presentes que ele lhe deu. Decidiu que era tempo de fazer isso. Não ia cortar fotografias nem devolver ursos de pelúcia, não havia porquê. Só pretendia colocar em uma caixa e guardar no maleiro, para que não precisasse olhar sempre, mas que, quando quisesse, ainda tivesse a possibilidade. A primeira foto não quis descolar do vidro. Eles ainda estavam no ensino médio, e ele a havia pedido em namoro com um buquê de rosas. O efeito do tempo se mostrava no papel: ali, colado, só sairia rasgado. Letícia não teve coragem de rasgar, e desistiu de tirar os vestígios de Thales do quarto. Ele fazia parte da sua vida.
O grande problema é que, na prática, ele já não fazia mais. Não estava no topo das conversas do Whatsapp, não maratonava as séries, não dividia o delivery e nem cozinhava. Letícia tentou se acostumar com aquilo, e tentou internalizar que aquilo era apenas um momento de readaptação, que era o normal dos ciclos da vida, que ela só estava sentindo falta do hábito. Passou-se mais um mês, e Letícia, finalmente, teve certeza de uma coisa: Thales não era hábito, era amor. A falta dele não era só ausência, era saudade. Ela sabia que tinha que correr atrás: ligou para ele e, logo que atendeu, falou "eu ainda tenho medo do para sempre, mas tenho mais medo do nunca mais".
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